13 August 2010

TAPA DE AMOR NÃO DÓI?

Posted by Plural | 13 August 2010 | Category: |

“A luta contra este flagelo exige que abandonemos uma maneira de pensar que é ainda demasiado comum e está demasiado enraizada e adotemos outra atitude. Que demonstremos, de uma vez por todas que, no que toca à violência contra as mulheres, não há razões para ser tolerante nem justificações toleráveis.”

Em seu discurso de 25 de novembro de 2006, o Secretário geral da ONU, Kofi Annan, reconhece a universalidade dos atos violentos contra a mulher e defende a criação de um ambiente social seguro e igualitário.

Mas quando as agressões ocorrem dentro de casa? Violência doméstica é um assunto de interesse público, que deve estar sempre em discussão perante a mídia, o Estado e a sociedade.

Quem disse que tapa de amor não dói provavelmente nunca amou ninguém. No Brasil, a maior parcela das mulheres vítimas de violência foi agredida pelos companheiros, homens que elas mantinham – ou mantém- um relacionamento afetivo. Muitas dessas mulheres têm dificuldade de se desvincular do agressor por questões emocionais e financeiras.

A posição da figura feminina está mudando gradativamente neste país - a mulher não é propriedade do homem, nem parte da casa - embora atos violentos ainda se façam bastantes presentes numa sociedade onde o que separa o “macho” e o “castrado” de Beauvoir são abismos criados pela cultura da dominação de gênero.

"NÃO VAI ACONTECER DE NOVO"

Diante dessa promessa, a mulher retira a queixa ao marido e pouco tempo depois, as agressões se repetem. São comuns humilhações, ciúmes e xingamentos antecederem a violência física. Nem a bebida, nem o cansaço justificam tais atitudes.

Quem ama não fere. É importante que o limite seja imposto pela mulher: “Não vou aceitar uma situação de violência na minha casa”. Também que o agressor seja denunciado, punido pelos seus atos perante a lei e que a vítima receba o apoio adequado por parte do Estado.


“Eu era dependente dele psicologicamente e financeiramente,(...)como uma droga, que eu sabia que me fazia muito mal, mas não tinha forças para deixar ‘o vício’ do agressor.”

C. foi casada por mais de dez anos com um homem bem sucedido profissionalmente, teve um filho com ele, no entanto, o marido a agredia constantemente. Primeiro vieram as agressões verbais, o humor instável, as humilhações, depois as agressões físicas.


"Uma em cinco mulheres é vítima de violência doméstica, aja agora", diz a campanha da Anistia Interncaional contra a violência doméstica.

Ela conta que inicialmente não denunciou o companheiro, nem contou aos familiares sobre a violência do marido. Algum tempo depois, separou-se dele, mas as promessas de mudança de atitude a fizeram reconsiderar. “Ficamos separados um mês, ele me procurava constantemente, me ligava, me esperava na portaria do meu prédio...emagreceu muitos quilos, uma amiga dele me procurou pedindo para voltarmos, todos achavam que ele estava sofrendo muito, eu também achei...doce ilusão...”

C. relata que um dos motivos da reconciliação está ligado ao apoio financeiro que o ex-marido proporcionaria a ela e ao seu filho, uma segurança econômica. Logo após a volta, a relação havia melhorado bastante, no entanto, temporariamente, pouco tempo depois, as agressões psicológicas estavam presentes. Em várias ocasiões, tentou atingi-la diminuindo sua imagem também diante do filho do casal: “(...)inventou muitas coisas ao meu respeito, tentou mostrar aos outros que eu era uma farsa, inclusive para meu filho.

Hoje, C. está legalmente separada, mora com o filho, não mantêm contato com o ex-marido. Seu posicionamento sobre relacionamentos está mudado. Segundo ela: “a mulher antes de partir para uma união tem que já estar independente financeiramente e não ser permissiva a ponto do outro comandar-lhe a vida. Não acreditar em amor de conto de fadas. Que para se formar um casal antes de tudo existe a individualidade de cada um e que deve ser respeitada.”






EM BRIGA DE MARIDO E MULHER SE METE A COLHER

A luta contra a violência à mulher deve ser encarada como tema de interesse público e não mais privado.

Rejane Pereira, Secretária Especial da Mulher do Recife, fala sobre a violência doméstica no município e sobre as políticas públicas realizadas pelo Governo para combatê-la.

Segundo a Secretária: “Para a questão do privado, a gente só pode intervir quando a mulher denuncia a violência.” E afirma: “A gente tem poucas políticas públicas ainda que possam interferir no mundo do privado”.

O pensamento de dominação, o sentimento de posse, o ciúme doentio são as principais causas do ambiente de agressão doméstica em que a mulher está inserida ou existem outras?

A primeira causa é o contexto de desigualdade em que as mulheres nascem. (...)nós nascemos num contexto de desigualdade e muitas vezes o ciúme, a opressão, a sociedade legitima como fazendo parte do casamento e as mulheres acham que isso faz parte do casamento, o lugar que é reservado à mulher.(...)O corpo da mulher passa a ser um projeto de mercadoria. E a sociedade precisa contribuir, mostrar que esse lugar que foi colocado pra nós mulheres não é o lugar que nós queremos.

É mais difícil haver denúncia quando a vítima ama o agressor, tenta preservar a imagem dele, justificar que é normal, que é ciúme e quando há a esperança de reconquista. É necessário um apoio psicológico à essa vítima para que ela entenda que não depende do agressor?

Cada mulher que sabe a dor e a delícia de ser o que é. Eu não julgo mulher nenhuma, mas eu acho que muitas vezes, a maioria das vezes, elas não querem deixar o agressor, elas querem sair da situação de violência. A maioria das mulheres acredita que vai sair dessa situação de violência, mas nenhuma mulher sai sozinha. O amor que a mulher julga ter pelo agressor está ligado muitas vezes a uma questão emocional. Muitas vezes ela não oportunizou conhecer outros homens e na verdade ela quer construir a vida dela com aquele homem. E ela acha, e a sociedade também legitima isso, que aquele momento vai passar, que ele vai melhorar, que ele vai mudar, que é só um momento. Onde quer que ela chegue as pessoas vão dizer isso. É muito difícil romper o ciclo da violência.

Elas têm medo do julgamento da sociedade?

Elas têm medo de romper com a violência. O ciclo da violência é muito doloroso. O cara bate, aí pede perdão, aí depois bate de novo. (...)[a mulher] Sai da violência pra morrer, ou pra agredi-lo também. É um universo muito difícil de romper.

Geralmente quando ocorre um homicídio, ele é precedido pela violência física e pela simbólica, verbal. Quando a mulher deve dar um basta, entender que aquilo passa de uma briga de casal e vira desrespeito e violência?

Não há uma receita. Eu acho que é ficar atenta a quando isso sair um pouco daquilo que você acredita. Você começar a fazer alguns questionamentos, o que é que você quer pra sua vida, se é aquilo mesmo, se ele sempre foi assim, quais as reações, se prevenir um pouco, estar atenta às mudanças de humor do agressor. Nós mulheres quando somos crianças somos entregue ao pai, ao irmão, na velhice, entregue ao filho depois que o marido morre. Perceber que isso rodeia a sua vida. Por que na violência todo mundo sofre dentro de casa e perceber o que você está vivendo. Fazer uns questionamentos e procurar ajuda. Se você não está no contexto das mulheres... a violência ela mexe com você. Quando perceber que isso não é o que você quer pra sua vida, perceber o que lhe rodeia. É procurar apoio.

Quando a mulher decide denunciar, quais os passos que ela deve tomar, o que ela deve fazer para se ver livre do agressor?

Em Recife quando a mulher decide denunciar, a proposta da Prefeitura da Cidade do Recife é trazer sempre as conversas para bem mais perto das mulheres. Você tem o Plano Municipal de Mulheres, você tem conversas nas Regionais. A intenção é fortalecer mulheres que ainda não estão fortalecidas para aproximar as políticas das mulheres. E aí quando você perceber que aquele mundo não é para você, resolver denunciar, é procurar a delegacia. Tem as delegacias de bairro, tem as delegacias de plantão, procurar a delegacia da mulher. Ao saber que você está em risco de morte, você tem a Casa Abrigo Sempre Viva, os centros de referência, o apoio da delegacia, procure o Clarice - 08002810107. Vá ao Clarice Lispector, se não tiver como ir, ligue pedindo ajuda. A gente tem feito na Prefeitura da Cidade do Recife o enfrentamento à violência. É um compromisso político do Governo e a gente tem dificuldade como em qualquer outro serviço. Mas procure ajuda. Procure o Clarice, lá você vai ser abrigada. Se estiver em risco de morte, irá à Casa Abrigo Sempre Viva - é um endereço sigiloso - ela fica por quase seis meses e depois toca sua vida, caminha, mas o que realmente nós queremos é que toda mulher saia da situação de violência , que não é fácil.

É feito algum trabalho nesses centros para que elas sejam independentes também financeiramente do agressor?

No centro de referência elas são acolhidas no primeiro momento. Têm acompanhamento psicológico, têm advogado pra acompanhar. É feita toda uma conversa para que a mulher se encontre. Mas na verdade o grande trabalho nosso é que elas sejam abrigadas. A gente fica lá, tentando recuperar a vida das mulheres, recuperar a história de vida delas, o que elas fazem, as crianças [filhos da vítima] começam a estudar. Então começa um novo ciclo de vida até que elas encontrem uma outra vida e vão embora.

Em Pernambuco, as mulheres que sofrem agressões domésticas podem procurar auxílio nos seguintes centros de referência:

Centro de Referência de Atendimento à Mulher de Caruaru PE - (81)3701-1055

Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRM) Márcia Dangremon de Olinda - (81)3429-2707


Centro de Referência de Atendimento à Mulher em Paulista PE - (81)9129-1989

Centro de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência Doméstica e Sexista Maria Purcina Siqueira Souto - (81)3518-1937

Centro de Referência de Atendimento à Mulher Clarice Lispector de Recife - (81)3231-2415


Por Lais Capistrano
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